O deputado Raul Marcelo participou na manhã desta quinta-feira (11) da audiência pública realizada no auditório Franco Montoro da Assembléia Legislativa, que discutiu a venda do banco estadual Nossa Caixa. A audiência contou com a presença do Secretário de Estado da Fazenda, Mauro Ricardo Machado Costa, que esteve na Alesp para defender a política privatista do governo José Serra.
Raul Marcelo lembrou que os governos tucanos venderam o Banespa “por preço de banana. Não dava nem para pagar os títulos da dívida pública naquele ano”. O deputado também frisou que para o Estado “defevia no mínimo se fazer um referendo em São Paulo, para consultar o soberano” [o povo] sobre a entrega do patrimônio público.
Ao final de sua fala, Raul Marcelo reafirmou: “o voto da bancada do PSOL nessa questão é claro e cristalino: é contra a venda da Nossa Caixa”.
A audiência foi acompanhada por centenas de bancários e trabalhadores de outras categorias, preocupados especialmente com a possibilidade de demissões quando da concretização da negociação que o governo estadual vem fazendo com o governo Lula para entregar a Nossa Caixa ao Banco do Brasil.
Leia abaixo a íntegra do pronunciamento de Raul Marcelo na audiência pública:
“Gostaria de construir a minha argumentação aqui, senhor presidente, a partir de uma questão que eu acho que é fundamental, que é a democracia. Nós vivemos, no Brasil, num sistema representativo. E recebemos uma procuração nas eleições, tanto o governador quanto os senhores deputados, para representar. E representar a quem? O soberano, que está no primeiro capítulo da Constituição. E quem é o soberano? O povo. Aqui em São Paulo perfazem 40 milhões de habitantes.
E, no entanto, desde a Constituição, o soberano não é consultado sobre a venda do seu patrimônio. Eu fico imaginando um advogado. Um advogado que tem um cliente, representa um cliente, queima o patrimônio do cliente e não consulta o cliente.
Essa é a grande questão.
Era necessário, numa questão tão importante como esta, no mínimo, se fazer um referendo aqui em São Paulo. Para consultar ao soberano. Eu fico vendo as eleições nos países do capitalismo central. Em toda eleição eles submetem uma série de coisas para serem apreciadas pelo soberano. Aqui no Brasil, não. Você vota só nos representantes, mas as grandes questões nacionais são discutidas nos palácios.
E aqui no Estado de São Paulo esta também tem sido a toada. O governo tentou vender a Cesp e, por uma sorte, até divina eu diria, não conseguiu queimar esse patrimônio.
Entregou agora 1700 quilômetros de rodovias. Nós saímos de 13 pedágios e passamos a ter agora, a partir do ano que vem, 61. Pedágios espelhados, ou seja, as pessoas vão pagar na ida e na volta. Vendeu-se o Banespa, por preço de banana. Não dava nem para pagar os títulos da dívida pública naquele ano. E assim vai. Vai se queimando o patrimônio do soberano.
Portanto, nessa questão, eu vou votar contra. Primeiro por conta desse problema da democracia. Eu acho que o povo de São Paulo deveria ser consultado. Primeira questão.
Vou votar contra e vou dizer mais: vamos fazer obstrução sistemática. Porque não é possível admitir que um patrimônio tão importante, com 90 anos, seja entregue sem se fazer essa consulta. E um patrimônio que vai para além das fronteiras de São Paulo. As 560 agências da Nossa Caixa têm participação também nas cidades de Uberlândia, Londrina, Belo Horizonte, Curitiba, Campo Grande, Rio de Janeiro e Brasília.
Portanto, nós estamos falando aqui de um patrimônio que vai para além das fronteiras de São Paulo. E isso é importante que se diga.
Eu peguei o relatório do Banco Central, dia 1º de dezembro. A Nossa Caixa estava entre os 10 bancos mais importantes do Brasil, com um ativo total de R$ 53 bilhões, um patrimônio líquido de R$ 3 bilhões, um lucro líquido de R$ 70 milhões e um número total de 560 agências com 15 mil funcionários. Isso é uma coisa extraordinária.
E nós estamos num período em que os países do capitalismo central estão estatizando o sistema financeiro. Porque sabem, e não é de hoje, que o mercado é insano, que o que move os capitalistas é o lucro. Não estão preocupados com o meio ambiente, nem com a situação dos trabalhadores. Portanto, o Estado tem que intervir sim, de forma permanente, na economia.
E, no nosso caso, a situação é mais drástica porque nós estamos falando aqui de uma região metropolitana, só no caso aqui de São Paulo, que tem um milhão e 300 mil desempregados, segundo o DIEESE. Tem um milhão de famílias que moram em casas ou sub-ocupadas ou sem infra-estrutura. Cem mil moradias, só aqui em São Paulo, não têm nem saneamento básico.
Um Estado que precisa de tanta infra-estrutura, num período de crise financeira e econômica, não pode abrir mão de um instrumento tão importante para intervir na sociedade como um banco.
E eu queria aqui fazer a crítica. É um erro tremendo colocar a Nossa Caixa nas regras do mercado. A Nossa Caixa deveria ter o fomento como a sua principal iniciativa, inclusive com fundo perdido, como chegou a fazer nas décadas de [19]70 e [19]80 com moradia. Porque nós temos milhares de cidadãos no Estado de São Paulo que não têm nem onde morar. Portanto, nós estamos falando de um Estado importante, com 40 milhões de habitantes, num país que é dependente economicamente, ou seja, é uma semi-colônia, que precisa do Estado para se desenvolver. Não dá para abrir mão de um instrumento financeiro como esse, secretário.
E o governador Serra, eu queria finalizar com isso, ele aprendeu tudo isso quando foi estudar no Chile. Porque ele saiu do Brasil, era colegial, foi pro Chile no governo do Allende, se formou. Voltou de lá PhD em Economia. Pode estudar Celso Furtado. Tudo em escola pública, de graça, [custeado] pelo governo chileno. Estudou Celso Furtado, participou da Cepal, sabe tudo o que se tem que fazer para desenvolver um país de economia dependente. Serra sabe disso. Não é alguém que está queimando o patrimônio público por desinformação. É um crime o que o governador está fazendo. Ele sabe que o caminho para nós, no Brasil, é o Estado intervir sim na sociedade, e em particular na economia. Porque achar que esses bancos multinacionais, que as transnacionais vão desenvolver o país é um ledo engano. Basta ver o que está fazendo a Vale do Rio Doce, que no primeiro sinal da crise já demitiu 1.300 trabalhadores. O que eles querem é ganhar dinheiro o mais rápido possível e mandar pras suas filiais lá fora.
No Brasil, se nós seguirmos esse caminho, não temos saída. É preciso sim ter intervenção [do Estado na economia]. E um braço financeiro como a Nossa Caixa, nós não podemos abrir mão. Em particular para o Estado de São Paulo. Então é isso. Eu queria registrar aqui. O voto da bancada do PSOL nessa questão é claro e cristalino: é contra a venda da Nossa Caixa.”