*por Filipe Possa Ferreira, economista e militante do PSOL de São Paulo
O Projeto de Lei 4.032 de 1998 votado na quarta-feira dia 22 de março de 2017 tem como base a regulamentação do trabalho terceirizado, ou seja, a chancela estatal para a ampliação da quebra ainda mais dos direitos trabalhistas no Brasil.
Segundo especialistas que estudam o impacto das leis trabalhistas na economia e na vida das pessoas, uma terceirização em hipótese alguma pode ser considerada um ponto positivo para o trabalhador — principalmente num país de profundas injustiças sociais como o Brasil. Essa lei aumenta a insegurança dos trabalhadores, reduz a possibilidade de negociação salarial e de benefícios, distancia o trabalhador de seu empregador direto, e desumaniza a atividade e suas relações — ou seja, precariza o trabalho.
O principal argumento para os que defendem esse projeto de lei, já aprovado e esperando a sanção do presidente Michel Temer, é que ele vai causar um aumento na criação de empregos, dado que flexibiliza e facilita a contratação e demissão por parte dos empregadores. Além desse argumento, que é o principal, ainda tem o aumento da segurança jurídica, pois até então não havia nenhuma lei que regulamentava a terceirização do trabalho no Brasil, este era apenas juridicamente apoiado numa decisão do TST anos atrás. A maior segurança jurídica passa a beneficiar as empresas que sofrem algum tipo de processo na vara trabalhista, principalmente em relação a equiparação salarial e de condições, regulamentada pela CLT.
Segundo estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria) o Projeto de Lei apresenta um avanço nas relações entre as empresas, pois se aproxima do que é praticado nos países avançados (link abaixo). Segundo o estudo essa lei da terceirização vai ampliar a capacidade para as diversas empresas contratarem outras empresas para auxiliar na cadeia produtiva, gerando ganho de produtividade. No entanto, talvez por um erro ou descuido, isso já acontece no país e se chama relação entre fornecedores. A confusão entre terceirização e fornecedor talvez esteja ofuscando a principal consequência do projeto de lei. Uma coisa é as empresas terem parceiros para auxiliarem no processo produtivo, outra coisa é precisarem de pessoas específicas para algumas atividades, exigindo destas uma postura que não é compatível com o relacionamento entre fornecedores. A terceirização é a uberização do trabalho como um todo, trazendo a possibilidade que todos possam se comportar como autônomo, dividindo responsabilidades com as empresas sem que haja uma contraparte de proteção e benefícios.
Ao argumentarem, aqueles que são favoráveis ao projeto de lei, que haverá um aumento no emprego gerando uma alta rotatividade no mercado de trabalho, estes negligenciam uma identidade básica macroeconômica; pois a partir dos determinantes de criação de emprego esse argumento não se sustenta. Um empresário não emprega pois há possibilidade de flexibilização e redução de salário, ele emprega pois ele precisa de mão-de-obra para produzir seu bem ou serviço e gerar lucro — e nesse sentido ele vai atrás do empregado mais barato com a maior produtividade possível, nem que para isso tenha que haver aumento na precarização e nas condições do trabalho. Dessa forma, a terceirização regulamentada apenas precariza a condição dos atuais empregados, podendo agora, segundo a lei, serem trocados por empresas terceirizadas, com salários e condições piores. Na média os terceirizados possuem um salário 40% menor que os empregados através da carteira de trabalho na mesma função, e em relação aos acidentes de trabalho, dos 10 acidentes, 8 acontecem com terceirizados, pois esses não possuem vínculo direto com seu local de trabalho, e são negligenciados pela estrutura e segurança. Como são tratados como fornecedores, apesar de participarem diretamente do processo de produção de uma empresa, ficam a mercê das negociatas e relações de benefícios que os vínculos trabalhistas formais possuem, o que aumenta a precarização.
No fundo a terceirização é uma redução de custo para as empresas, que são sempre pressionadas a reduzirem seus custos e ampliarem sua margem de lucro dada a inerente atividade empresarial. Os que mais comemoram esse projeto de lei são os mesmos que buscam a redução de custos em relação ao trabalho, tendo agora respaldo em lei para que a precarização e redução exista em larga escala. Entretanto, alertam alguns especialistas em direito do trabalho, a lei não promove uma troca geral da atividade-fim de uma empresa para empregados terceirizados. As regras de vínculos trabalhistas ainda devem prevalecer, mesmo sendo terceirizados. Não obstante, dada a nova lei pode haver um aumento significativo dos terceirizados no país, aumentado pela chamada atividade-meio. No caso, dada uma empresa qualquer, a atividade-meio é tudo que não está diretamente ligada ao produto ou serviço final; exemplo, num restaurante a atividade-meio são todos os postos de trabalho que não estão ligados ao preparo da comida, ou seja, serviço de mesa, caixa, limpeza, financeiro, segurança e etc… enquanto que o cozinheiro e ajudantes de cozinha, compõe a atividade-fim. O projeto de lei aprovado na câmara regula a contratação de terceiros para ambas atividades, podendo agora, respeitando certas regras, todos serem terceirizados.
Outro ponto importante é que pode começar a surgir a precarização da precarização, que é conhecida como “quarteirização” do trabalho. No caso, é a contratação de terceiros que já são terceiros em suas empresas de origem. Se uma empresa que fornece material de limpeza contrata uma outra empresa para fornecer os vendedores, e esses vendedores possuem um vínculo empregatício autônomo com a terceirizada, isso acaba por ser a precarização da precarização. Qualquer fato que ocorrer ao trabalhador no exercício de sua atividade não vai ser de responsabilidade de nenhuma das empresas, mesmo que estas sejam as geradoras. Acidentes de trabalho, negociação salarial, férias e benefícios não estão mais cobertos por lei, desamparando o trabalhador de forma completa. Para a empresa é o melhor dos mundos pois haverá redução de custos trabalhistas e desvinculação ao trabalhador e de sua responsabilidade; já para o trabalhador é a total precarização.
Por mais que muitos acreditam que a liberdade da empresa e do empregado em negociar suas relações além da CLT seja um ponto positivo, isso só vale realmente para os que possuem condições sociais e educacionais para tal. No ramo de comunicação, por exemplo, é muito comum haver autônomos e trabalhos sobre encomenda, não havendo qualquer vínculo empregatício entre trabalhador e empresa, no entanto, esse é um ramo específico de trabalhadores de alta qualidade e alto salários; para um país como o Brasil pensar que isso é a regra, é negligenciar as injustiças sociais e trabalhistas que aqui sempre existiram, e basicamente não compreender as profundas desigualdades do país. Nesse sentido, a CLT é uma proteção do trabalhador numa relação que é inerentemente desigual entre empregado e empregador. Além de respaldar o pagamento dos direitos e deveres, como 13°, férias, impostos e etc.
Por fim, temos uma mais nova rodada de redução dos direitos dos mais vulneráveis desse país. Essa lei, se aprovada da forma que foi na Câmara, será um retrocesso que ampliará as injustiças sociais do país, gerando insegurança trabalhistas para milhões que não possuem outra escolha a não ser aceitar a precarização por um salário, cada vez menor.
Fontes: