O deputado Ivan Valente defendeu o cumprimento da sentença da Corte Internacional de Direitos Humanos dada ao Estado brasileiro em relação ao caso Araguaia, para que sejam identificados e punidos os responsáveis pelo desaparecimento de 62 pessoas, entre os anos de 1972 e 1975. O discurso foi no plenário da Câmara, nesta terça-feira.
A Corte Internacional determinou, por unanimidade, que o Estado brasileiro identifique e puna os responsáveis pelas mortes, que realize esforços para encontrar as ossadas dos combatentes e promova ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional.
“A nossa Lei de Anistia não pode ser usada para impedir a investigação deste e de outros casos de graves violações de direitos humanos praticadas durante a ditadura militar”.
Leia o discurso de Ivan Valente.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, em novembro passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 pessoas na Guerrilha do Araguaia, entre os anos de 1972 e 1975, no chamado Caso Gomes Lund e outros, apresentado em 1995 pelo Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil), pela Human Rights Watch/Americas e por familiares de pessoas desaparecidas. A sentença, histórica, altera o pacto político de apagamento da história e de esquecimento do terrorismo de Estado, que nosso país ainda não enfrentou devidamente, ao contrário dos nossos irmãos latino-americanos.
Por unanimidade, a Corte Interamericana determinou que o Estado brasileiro identifique e puna os responsáveis pelas mortes e que realize todos os esforços para encontrar ossadas dos combatentes e promova um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional. Segundo o Tribunal, a Lei de Anistia não pode ser usada para impedir a investigação deste e de outros casos de graves violações de direitos humanos praticadas durante a ditadura militar, independentemente da recente decisão do Supremo Tribunal Federal.
Em sua decisão, com base no direito internacional e em sua jurisprudência constante, a Corte Interamericana concluiu que as disposições da Lei de Anistia que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos, razão pela qual não podem continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos do caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis.
Na última semana, uma série de organizações defensoras de direitos humanos se manifestou diante da Presidência da República, do Supremo Tribunal Federal, do Procurador-Geral da República e deste Congresso Nacional, lembrando-nos de que o Brasil é voluntariamente signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que respalda a decisão da Corte, e que, portanto, deve cumpri-la integralmente. Ao reconhecer a competência da Corte, somos obrigados a respeitar e tornar efetivas suas decisões acerca das denúncias formuladas contra o país. Portanto, Senhor Presidente, desta tribuna, como ex-preso político, que viveu de perto as consequências da política de repressão implantada no país contra aqueles que defendiam a democracia, recebo e reforço este pleito.
Não podemos nos eximir desta sentença, alegando uma eventual possibilidade de rediscussão ou revalidação interna de seu valor. Como afirmaram as organizações, a jurisdição da Corte Interamericana para decidir sobre violações aos direitos humanos ocorridas no Brasil é indiscutível. Nos casos envolvendo homicídios e desaparecimentos forçados praticados pela ditadura militar, a obrigação se mostra ainda maior, pois são crimes de lesa-humanidade. O eventual descumprimento das determinações da Corte representará um retrocesso sem precedentes na evolução dos direitos humanos no Brasil. Seremos incluídos norol daqueles que desrespeitam a autoridade da Corte e para quem os direitos humanos são garantidos na medida de interesses privados o corporativos.
É importante lembrar ainda que a Corte Interamericana condenou o Brasil pela violação do direito à integridade pessoal de determinados familiares das vítimas, em razão do sofrimento ocasionado pela falta de investigações efetivas para o esclarecimento dos fatos, e pela violação do direito à informação estabelecido na Convenção Americana, devido à negativa de dar acesso aos arquivos em poder do Estado com informação sobre esses fatos.
Ou seja, o Brasil deve continuar a sistematizar e publicar todas as informações encontradas nos arquivos militares, e deve tirar do papel e finalmente instituir a Comissão Nacional da Verdade, prevista no Plano Nacional de Direitos Humanos – 3, que tantos ataques sofreu dos setores mais conservadores e reacionários de nossa sociedade. A negação do direito à verdade e à memória envergonha a história do nosso país e segue um dos principais obstáculos para a concretização do processo de redemocratização do Brasil.
Já passou da hora de virarmos essa página com dignidade, de punirmos os perpetradores de torturas, homicídios, desaparecimentos forçados e demais crimes contra a humanidade, de identificarmos e entregarmos os restos mortais dos desaparecidos aos familiares. Esta é uma dívida que o Brasil tem não apenas com aqueles que lutaram contra a ditadura militar e suas famílias, mas com todos os que cotidianamente lutam pelos direitos humanos em nosso país.
Muito obrigado.