Por Afrânio Boppré
Numa eleição nunca está em jogo ela em si. A primeira vista, se está buscando escolher representantes da sociedade para em nome dela exercer o governo. Mas é muito mais do que isso. Numa eleição se disputa (em condições desiguais é verdade) idéias. E é sobre isso que pretendo conversar aqui: as condições desiguais e as idéias.
Há um grande esforço no sentido de esvaziar o debate de idéias nas eleições. Querem emburrecer a política. Quando as idéias perdem ou cedem espaço é por que outras coisas assumem o seu lugar. Você tem noção do que está ocupando o lugar das idéias no mundo da política?
Na prática se arrasta milhões de pessoas para um terreno onde por meio de megas estruturas e aparelhos, se busca obter o controle da escolha das hipóteses. Há uma falsa sensação de que o eleitor é livre e soberano quando na prática as hipóteses a ele apresentada pelo aparato midiático, econômico, jurídico, governamental e político (conjugados e associados), por exemplo, já sofreram uma triagem anterior, uma peneirada. A disputa numa eleição é extremamente desigual e o eleitor se torna mais influenciado pelo peso das estruturas do que pelo peso das idéias. Tudo isso tem um objetivo: criar um processo eleitoral onde a classe dominante tenha sobre ele pleno controle e no seu interior restringir as hipóteses de escolha. Sendo assim, a eleição não poderá produzir surpresas desagradáveis aos donos do poder e ao mesmo tempo os condecora de democratas. Mas para que isso aconteça mais uma condição deve ser atendida, ou seja, reduzir as expectativas da sociedade. Quando as expectativas com relação ao futuro são reduzidas se acaba se submetendo a jogar o jogo e escolher entre as hipóteses “pasteurizadas”. Essa redução de expectativas tem na batalha de idéias o front principal. De um lado aqueles que querem fazer crer que o futuro é um horizonte aberto de possibilidades e de outro aqueles que negam a existência de um futuro diferente do presente. Entre estes dois extremos temos o ringue real da disputa das idéias.
Para as classes dominantes capitalistas o objetivo é aniquilar a possibilidade de uma perspectiva real de mudança. Seu esforço é reproduzir o presente criando uma situação estacionária e aceitando mudanças módicas, no entanto, mais comprometidas com a reprodução do que já existe do que com a perseguição daquilo que ainda não nasceu e que está por vir. Afinal, se seus objetivos já foram almejados, a arte de ora em diante é perpetuar a situação existente, e o que é pior, obtendo o consentimento da sociedade, do povo, do eleitor e por meio da eleição controlada por eles e para eles.
A grande vitória das classes dominantes capitalistas não está no resultado das eleições somente, mas na criação da crença de que não há mais futuro. De que chegamos no último degrau da escada. De que as alternativas devem, além de serem escolhidas dentro de um jogo em que eles tem amplo controle, serem escolhidas também dentre hipóteses de suas confianças. Ou seja, de que pode haver mais de uma alternativa mas desde que filhas do mesmo ideário. Se assim fosse o futuro se apagaria e nos restaria uma única idéia.
Quando na consciência de amplos setores da sociedade este resultado é alcançado se consegue além de estabilizar o sistema criar as condições para reproduzi-lo. Nestes termos o exercício da dominação vai ampliando cada vez mais o consentimento, isto é, o dominado sem expectativas de outras possibilidades se submete por inércia ao dominador. O dominador promove a falsa sensação de que reúne atributos superiores para governar em nome de todos. Sendo assim, o domínio produz um estágio político de capacidade hegemônica. Um plus da dominação. A classe dominante capitalista domina com o consentimento “acordado” e a coerção “adormecida”, nem por isso morta.
Para as classes dominantes capitalistas o triunfo maior é converter a seu favor parte importante das forças políticas que no passado a ela se antagonizavam neutralizando assim as ameaças. Neste artigo, nosso pressuposto é de que houve um realinhamento de forças políticas na política brasileira. Essa nova situação no Brasil ainda não foi devidamente debatida com o povo. Isto é, setores políticos da sociedade que no passado recente ameaçam as elites falando em greve geral, luta de classes, rompimento com o FMI, movimentos sociais, povo protagonista de sua própria história, participação popular etc., hoje dão garantias a esta mesma elite de que estão adocicados, domesticados, e de que nada mudará. Mas nem todo mundo seguiu a força gravitacional do poder institucional. O PSOL é um espaço autêntico de resistência. A importância do PSOL está exatamente aí. Um partido que consciente do terreno em que está pisando se dispõe a trabalhar na contradição e explorar brechas do processo eleitoral. O direito a eleger e ser eleito não é uma benevolência das classes dominantes, mas uma concessão necessária e sofisticada para assegurar a hegemonia. O PSOL é sabedor de que há espaços para explorar e sem desconsiderar a realidade e sim a partir dela, se predispõe a construir uma atuação contra-hegemonica esgotando as oportunidades.
O PSOL não se rende a dócil idéia de que “batemos no teto”. De que no Brasil chegamos ao ótimo social e que nossa escolha ficou reduzida ou ao retorno ao passado ou na reprodução do presente. Somos portadores da esperança de que um mundo novo é possível. Mais do que isso, além de possível é necessário e urgente. O PSOL está preparado para o debate e não aceita o apagão das idéias arquitetado pelas elites. Para o PSOL a política segue sendo o grande combustível das mudanças. Politizar a desigualdade social, a degradação ambiental, a dívida pública, a corrupção, a situação da saúde, politizar a política e as eleições etc. é para o PSOL fundamental. Sabemos que estes temas e tantos outros se relacionam com a técnica e a ciência mas isto não suprime a política. O ato de governar é um ato com conteúdo de classe. Quando ouvimos dizer que acabaram-se as ideologias e que não temos mais esquerda e nem direita, se está fazendo a política da despolitização. Isso atende os interesses políticos da direita.
Em 2010 no Brasil temos opção fora das alternativas oficiais/chapa branca. Independente de quem venha a ser o próximo bloco de governo a partir de 2011 desde já sabemos ser fundamental o crescimento do PSOL nesta eleição. O próximo governo forçosamente terá que contar com uma oposição de esquerda e qualificada para lidar com esta complexidade. Precisamos de uma forte bancada de esquerda no congresso nacional e nas assembléias legislativas para repercutir nestes espaços a luta e os interesses de nosso povo. Para discutir as idéias. Para recompor o debate sobre o futuro e projetar livremente nossos sonhos. Agora é 50!
Afrânio Boppré é economista e secretário geral do PSOL