Pronunciamento do deputado Ivan Valente – PSOL/SP
Sr. Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
O governo Lula prometeu para os próximos dias o anúncio do Plano Nacional de Banda Larga. A meta do governo é fazer o acesso à internet em alta velocidade chegar, até 2014, a 4.238 municípios, a um preço final para o consumidor entre R$ 15 e R$ 35. Por trás do anúncio do Plano, há três projetos em disputa.
O Ministério do Planejamento pretende retomar a operação da Telebrás, colocando de volta pra funcionar uma gigantesca rede de fibra óptica já instalada, sob controle do Estado, para levar o serviço a regiões onde o mercado não tem interesse econômico em investir. Os empresários, apoiados pelo Ministro Hélio Costa, defendem um modelo misto, no qual a Telebrás seria responsável apenas pela gestão da rede pública, que seria compartilhada entre as teles privadas, mediante aluguel da infraestrutura. Neste caso, as empresas ficariam encarregadas de levar a conexão até a casa dos brasileiros, oferecendo a chamada “última milha” do acesso, e o governo contribuiria com a expansão via desoneração tributária e disponibilização dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), hoje reservado apenas à telefonia fixa.
O terceiro projeto, defendido historicamente por especialistas e organizações da sociedade civil, aprovado inclusive por unanimidade na recém-realizada Conferência Nacional de Comunicação, segue cerceado nos corredores do Planalto: transformar a banda larga num serviço a ser prestado sob regime público. Hoje, a telefonia fixa é o único serviço de telecomunicações prestado nesta modalidade, que estabelece obrigações às operadoras relativas ao alcance, à continuidade, à qualidade (incluída aí a velocidade) e ao controle tarifário do serviço.
No modelo brasileiro de telecomunicações, no entanto, todo serviço de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União comprometa-se a assegurar, deve ser prestado em regime público. Isso significa. Sr. Presidente, que se a meta é universalizar o acesso à banda larga no Brasil, garantindo que ela chegue com qualidade e preços acessíveis à toda a população, é preciso transformá-la num serviço a ser prestado sob regime público. E para isso basta apenas um decreto da Presidência da República, como prevê o Artigo 18 da Lei Geral de Telecomunicações.
Trata-se de reverter na área da internet uma história que se repete nas telecomunicações no Brasil, da implantação da TV a cabo à privatização da telefonia. A ausência de regras no cabo, por exemplo, transformou este mercado num verdadeiro monopólio, onde os lucros são altíssimos e a qualidade do serviço prestado é péssima, vide as centenas de denúncias recebidas nos órgãos de defesa do consumidor que, em sua maioria, seguem impunes. O mesmo vale para a telefonia móvel, que como bem destacou a imprensa recentemente, tem a segunda minutagem mais cara do mundo, e onde as pessoas de baixa renda apenas recebem ligação via aparelhos pré-pagos.
Com a internet não é diferente. Nas duas últimas décadas, a orientação do mercado, autorizada pelo regime privado, produziu um modelo de acesso marcado pela baixa penetração, altos preços e baixas velocidades. Segundo dados da UIT (União Internacional de Telecomunicações), o Brasil está em 77º lugar na escala de preços, abaixo dos demais membros do Bric, o grupo dos grandes emergentes: Rússia (37º), Índia (73º) e China (75º). Em relação aos países vizinhos, em 2008, a velocidade média de acesso no Brasil era menor que a da Argentina e do Chile. A UIT também aponta que o custo mensal da banda larga equivale a 9,6% da renda média per capita brasileira. Ou seja, Senhoras e Senhores Deputados, mesmo quem tem condições de pagar pelo acesso à banda larga está comprometendo uma parcela significativa do seu orçamento.
Se compararmos os gráficos de penetração da banda larga e de potencial de consumo no território brasileiro, chegaremos à conclusão que só têm direito à internet no país aqueles que podem pagar por ela. Como às grandes empresas de telefonia, controladas pelo capital estrangeiro, interessa apenas o lucro, mais da metade dos domicílios brasileiros não estão em condições geográficas e/ ou de renda consideradas capazes de atrair a oferta de Internet em banda larga.
A resposta do governo para tamanha desigualdade é reativar uma empresa estatal, aumentando a competitividade no mercado. Aqui nesta Casa, com o lobby das teles, já começa a pressão da bancada privatista, que não admite sequer a retomada da Telebrás. Mas é preciso dizer que apenas retomar a Telebrás não basta. Além de competir com as teles privadas onde o preço ofertado ao consumidor é exorbitante e atuar nas regiões onde o acesso sequer é ofertado, levando a última milha a todos os brasileiros, o Estado deve estabelecer obrigações e metas aos prestadores privados dos serviços, de forma a garantir a universalização, a continuidade, a qualidade no acesso, a velocidade e modicidade nos preços de oferta. E isso só o regime público tem condições de garantir. No horizonte, inclusive, deve estar a gratuidade na oferta da banda larga, como forma de garantia do direito à comunicação da população brasileira.
A pressa do governo federal em lançar o Plano Nacional de Banda Larga, sem o necessário debate público com o conjunto da sociedade brasileira, é característica de anos eleitorais. Mas esta discussão não pode seguir cerceada, sob o pretexto do Plano não ser executado no prazo a contento. Transformar o acesso à banda larga num serviço a ser prestado em regime público deve ser parte do Plano Nacional. Afinal, a universalização, independentemente de localização e condição sócio-econômica, é essencial para a garantia da cidadania.
Se em outros tempos o direito à comunicação se dava pelo acesso universal à telefonia fixa, hoje, em época de convergência tecnológica – onde falar ao telefone, assistir à televisão, ouvir o rádio e navegar na internet habitam o mesmo aparelho eletrônico –, não há como ignorar o acesso à internet. Enquanto houver brasileiros sem acesso à banda larga, estaremos aumentando a desigualdade social em nosso país. E pra mudar essa história só falta um decreto presidencial!
Muito obrigado.
Ivan Valente
Deputado Federal PSOL-SP
Câmara Federal dos Deputados, 2 de março de 2010.