Roberta Traspadini
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A pirataria é uma das questões mais polêmicas, colocadas pela mídia em pleno capitalismo monopolista do século XXI. Segundo o conselho nacional de combate à pirataria, estima-se que 45% da população brasileira, consuma algum tipo de produto pirateado. Frente a este dado podemos discutir, de maneira plural, o real significado de legalidade e legitimidade.
Mas, vale dizer que, a partir do enfoque da economia política, interpretamos que, se virou prática social, é porque está legitimado pela sociedade brasileira, ainda que possa ser interpretado pelo Estado e pelos donos privados das mercadorias, como ilegal.
Façamos um exercício e vejamos como, em essência, o que é ocultado nos noticiários e na indústria cultural midiática, é o verdadeiro sentido colocado na luta de classes sobre este tema. Comecemos com algumas perguntas básicas:
1 – O que é a pirataria? É a cópia de um original, cuja autoria é de outro. Em termos formais, “crime de violação de direito autoral”.
2 – O que é um produto original? É aquele que, ao ser feito por alguém, se transforma em propriedade privada deste alguém (produto mercadoria e produto intelectual). Propriedade esta garantida sob a tutela do Estado formal, e exige que todos que o utilizam, peçam benção (economicamente paguem uma parte expressiva) àqueles que o produziram.
3 – Quando um produto original vira o produtor de copias? Quando o objetivo principal de sua utilização é prestar esse tipo de serviço. Exemplo: fazer fotocópias de livros, de discos, de dvd´s.
4 – Quando a cópia é violação? Quando o original, matriz produtora de copias, é utilizado por terceiros sem pagar sua parte substantiva, ou, vira um meio para outros meios e não o fim último do serviço.
Em outras palavras, parte expressiva da copia utilizada como pirataria, advém de produtos originais que formalizam sua propagação. Essas máquinas, cada vez mais potentes e portáteis, implementam um ritmo absurdo de produção de copias não controladas pelo próprio capital monopolista.
Quando isto ocorre, o capital – que começa ver seu controle ser burlado, a partir das próprias máquinas produzidas por ele-, define como pirataria ilegítima e ilegal. Ou seja, uma ação de produção e de consumo exercida por contraventores sobre a ordem burguesa de propriedade privada do capital.
Já para os trabalhadores, o problema não é o da originalidade da cópia. E sim do desenvolvimento capitalista em si mesmo excludente, apropriador privado da produção da riqueza e da renda. Produção esta que permitiu a uma parte expressiva da população mundial, encontrar mecanismos de sobrevivência, frente a, cada vez menor, mão de obra formal dos três setores econômicos.
O problema de fundo desta discussão não é da ordem moral e sim econômica. Ou seja, quem fica com parte expressiva daquilo que é gerado, independente da mediação feita pela máquina formalmente registrada? O próprio capital? Ou os trabalhadores que alijados do processo formal de trabalho, encontram a possibilidade de sobreviver legitimamente a partir da pirataria?
A informalidade, numa sociedade como a brasileira, cuja exclusão raia as beiras da barbárie social, tem no mínimo algumas facetas que devem ser levadas em consideração:
1. É legitima e legal, quando seu fim é a sobrevivência de parte expressiva de um contingente de trabalhadores condenados da terra, feita propriedade privada pelo capital, que sequer entra para os números do exercito industrial de reserva, e que encontra nesta atividade um dos únicos mecanismos de ser minimamente incluído, frente a real exclusão. Ex: ambulantes, vendedores de cd´s, dvd´s, entre outros. Em alguns casos, no que tange ao informal, o Estado pode assumi-lo inclusive como empreendedor, para, ao formalizá-lo, garantir tributos ainda mais valiosos para seus cofres.
2. É legitima mas ilegal, quando o Estado, imbuído de sua representação de classe, resolve fazer uma limpeza social-mora, mas que realmente é da ordem do poder econômico, entre os que atuam fora ou dentro da lei.
3. É ilegítima e ilegal, quando seu principio, meio e fim é a morte de muitos, frente a vida de poucos. Esse é o caso específico do tráfico de armas, de drogas, de mulheres, de órgãos, entre outros. Para sobreviverem alguns, muitos têm que morrer para fazer a produção circular em forma de ganância excessiva e ampliada.
A legitimidade e legalidade da pirataria no Brasil, deve ser analisada a luz do conflito de classes gerado pela consolidação do capital que vai, pouco a pouco, ou aprisionando o trabalho e escravizando-o de múltiplas formas, conforme o tempo histórico em que se vive, ou excluindo-o formalmente para incluí-lo como consumidor.
Há violações anteriores a dita violação da pirataria. Listemos algumas:
A – Violação do direito ao trabalho e ao salário digno. Um desemprego que chega aa casa dos 8% e uma população economicamente ativa em que menos de 50% dos que atuam são formalmente registrados.
B – Violação da remuneração digna quando parte expressiva dos trabalhadores formais ganha até dois salários mínimos por mês e não têm as garantias constitucionais de saúde, educação, moradia, entre outras.
C – Violação do direito a disputa de classe, via Estado de direito, quando o capital define, a partir de seu poder onipotente, não só as regras do jogo, mas a forma como o árbitro deve se comportar (Estado brasileiro).
D – Violação dos direitos consolidados como CLT e Constituição Federal. Ambos estão virando enciclopédia para consulta sobre como foi e deixou de ser o processo laboral brasileiro ao longo dos séculos XX e XXI.
(*) Economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES.
Publicado originalmente Rádio Agência NP em:
16/7/09