É neste contexto de agravamento da crise do desemprego que devemos observar a natureza mais estrutural de explosões como a da favela de Paraisópolis
09/02/2008
Fernando Silva
As cenas do confronto na favela de Paraisópolis, em São Paulo, os números diários das demissões no país, a espantosa queda da produção industrial em dezembro, a volta dos déficits na balança comercial são alguns fatos que inegavelmente sinalizam tendências para o ano de 2009. E colocam para a esquerda socialista necessárias reflexões que permitam ampliar a capacidade de conduzir a uma ação consciente, no sentido de apresentar uma opção ou saída socialista para o grave cenário que se apresenta. Levantamos neste espaço algumas destas questões.
O Brasil rapidamente (e não poderia ser diferente dado o caráter dependente e subordinado da nossa economia) foi inserido no quadro da crise da economia capitalista mundial, com especial peso para a velocidade da disparada dos índices de desemprego. Velocidade que se explica pelas duas décadas de abertura subordinada da economia sob a cartilha neoliberal e o arquivamento do modelo de substituição de importações.
Observa-se que no cenário internacional a gravíssima recessão, combinada com o recrudescimento das tentativas do capital e seus governos de tentar impor contra-reformas liberais sobre os direitos dos trabalhadores, acelera contradições, tensões e lutas sociais bastante expressivas, com ponto alto nas mobilizações da classe trabalhadora grega no início deste ano e na recente greve geral de 24 horas ocorrida na França.
O cenário que se abre coloca a perspectiva de maior polarização social entre classes, embora sejam muito preocupantes algumas manifestações explícitas de hostilidade entre setores da classe trabalhadora, como foi o caso da manifestação de um setor da classe trabalhadora britânica contra os proletários imigrantes, que pode alimentar a formação de base social para projetos fascistas ou variantes xenófobas e reacionárias.
No Brasil, é explícito que a crise do emprego vem acompanhada pela chantagem patronal e a volta da reforma trabalhista à pauta da conjuntura. Embora grande parte dos números da queda da produção tenha a ver diretamente com o cenário externo (retração do comércio mundial, queda das exportações e ausência de crédito), a velocidade das demissões, incluindo aí setores não diretamente afetados pela débâcle externa, se explica porque o capital se aproveita desta conjuntura para tentar impor a pauta da retirada de direitos, tal como já explicitou a Fiesp ao barganhar uma manutenção temporária de empregos com redução da jornada e salários.
Chantagem ainda mais eficaz nas importantes concentrações da classe trabalhadora sob a direção sindical de setores prontamente colaboracionistas, como se tem verificado nos acordos de redução de salários patrocinados pela Força Sindical.
A natureza das explosões populares
É neste contexto de agravamento da crise do desemprego que devemos observar a natureza mais estrutural de explosões como a da favela de Paraisópolis. Segundo pesquisa do Datafolha, o distrito onde se localiza a segunda maior favela de São Paulo tem o maior índice de desemprego na capital paulista, de 25%! A renda média do distrito é a terceira pior da metrópole, de acordo com a mesma pesquisa.
O agravamento do desemprego, a falta de direitos básicos, os enormes bolsões de miséria nas periferias e morros das grandes cidades e a truculenta ação das forças de repressão do Estado contra os pobres tendem a fazer com que novas explosões e enfrentamentos nas grandes cidades venham a ocorrer nesta conjuntura.
Longe de nós fechar os olhos para o papel manipulador que o crime organizado pode ter, e terá, em muitas destas explosões de indignação frente à ação policial ou com o desespero da crise social.
Mas isso não significa cair no discurso simplista e cínico da grande mídia e do capital de que toda e qualquer manifestação ou explosão popular nas grandes favelas é produto do narcotráfico e da “bandidagem”. Esse discurso reacionário serve para classificar o trabalhador ou jovem morador da periferia ou de bolsões de pobreza como “criminoso” ou como massa de manobra do crime organizado. O que favorece a ação violenta por parte do aparelho policial, que muitas vezes assassina pessoas, qualifica-as como bandidos e tudo fica por isso mesmo.
E aqui reside outra tendência na conjuntura: deverá ocorrer uma intensificação da criminalização dos movimentos sociais e da pobreza nestes tempos de crise. Tema que deve ser abordado na ordem de primeira grandeza pela esquerda socialista. Chamou a atenção no caso de Paraisópolis a fúria dos grandes meios de comunicação e do capital, e a exigência de sangue, gerada pelo fato de a favela ficar ao lado de um dos bairros mais nobres de São Paulo, o conhecido Morumbi. Destaque-se que não foi possível esconder os elementos de pânico manifestados pelos ricos quando os pobres “descem” para próximo das “nobres” avenidas onde se perfilam mansões e condomínios de luxo.
É preciso, portanto, observar que, diante do aprofundamento desta tendência de crise econômica e de tensões sociais, fica colocado para a esquerda socialista, movimentos sociais populares combativos, sindicatos e partidos o problema de construírem uma plataforma política e prática para defender o emprego da classe trabalhadora, não aceitar a reforma trabalhista e a retirada de direitos, defender serviços públicos e direitos sociais, e construir um amplo movimento democrático contra a criminalização.
A partir destes pontos mínimos, caberá à esquerda também oferecer uma alternativa e uma condução às explosões populares, construindo caminhos para inserir-se e credenciar-se onde vivem enormes contingentes da classe trabalhadora brasileira. Pois não haverá qualquer alternativa positiva caso sejam os interesses do crime organizado que canalizem o desespero e a indignação popular com o agravamento da crise.
Fernando Silva (Tostão) é jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista.
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