Escrito por Fernando Silva
25-Fev-2009 – Correio da Cidadania
Há cinismo nas excessivas bravatas do governo federal e do próprio presidente, que se limitam a manifestações públicas de desagrado com a situação, críticas aos empresários que demitem, mas não há medidas efetivas para estancar essa sangria dos postos de trabalho. Peguemos o caso das 4.200 demissões da Embraer. Pois, neste caso, o governo federal é acionista da Embraer, ainda que minoritário, através do BNDES, sem falar dos fundos de pensão de estatais que também participam da gestão da empresa. Mais importante: como membro do Conselho de Administração, tem poder de vetar as demissões…
Nem mesmo o Carnaval, com seus dias de alegria e folia pelo país, pode encobrir o drama do desemprego que avança com números já assustadores.
Segundo dados do Ministério do Trabalho, no mês de janeiro foram fechados 101.748 postos de trabalho com carteira assinada. Façamos as contas: isso dá uma média de 3.282 demissões por dia. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, desde novembro foram eliminados 800 mil empregos com carteira assinada no país. Bem, a conta anterior fica então “modesta”. Pois temos então uma média diária de 8.800 postos de trabalho fechados por dia, sem contar já o mês de fevereiro. Sem falar que nas vésperas do Carnaval a Embraer anuncia 4.200 demissões.
E só estamos falando dos empregos formais, com carteira assinada, ainda não surgiram números e levantamentos das conseqüências da crise econômica sobre os setores mais precarizados, subempregados da classe trabalhadora.
Cinismo do grande capital
Naturalmente esta situação no Brasil é reflexo do agravamento da crise econômica mundial, que parece não ter chegado ainda ao seu fundo do poço a julgar pelos números da violenta retração recessiva nos países centrais, o massivo desemprego, a bancarrota de gigantes do setor financeiro e da produção nos Estados Unidos, Europa e Japão.
Números que indicam uma situação criminosa, repleta de cinismo do grande capital e de bravatas do governo. Pois cá como lá, a receita do grande capital é despejar sobre os trabalhadores o ônus da crise na forma de demissões, retirada de direitos, enquanto governos e bancos centrais tratam de despejar montanhas de dinheiro para salvar o capitalismo.
No Brasil, o cinismo começa pelas grandes empresas, que nos períodos de crescimento bateram recordes de produção e de lucros: bancos, montadoras, empresas exportadoras, como a Embraer. Mal começa a crise e os cálculos são simples para o capital: cortam-se os empregos e custos trabalhistas. E aproveitando o momento de extrema dificuldade e defensiva em que ficam os trabalhadores diante da ameaça do desemprego, recolocam na pauta a questão da retirada de direitos trabalhistas, flexibilização dos salários e da jornada como contrapartida para garantir o emprego.
Vejam o caso da Embraer. A empresa quer cortar 20% do seu quadro de funcionários, mas segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos a empresa tem uma carteira de pedidos firmes de US$ 21,6 bilhões de dólares e uma produção contratada de 270 aeronaves para 2009.
Política do governo não defende emprego
Mas há cinismo também nas excessivas bravatas do governo federal e do próprio presidente, que se limita a manifestações públicas de desagrado com a situação, críticas aos empresários que demitem, mas não há medidas efetivas para estancar essa sangria dos postos de trabalho. Como se já conformado com essa situação, uma das maiores medidas de impacto do governo foi anunciar uma tímida extensão das parcelas do seguro desemprego e ainda assim para alguns setores…
Mas peguemos o próprio caso das 4.200 demissões da Embraer para avaliar o quilate do cinismo. Pois neste caso, o governo federal é acionista da Embraer, ainda que minoritário, através do BNDES, sem falar dos fundos de pensão de estatais que também participam da gestão da empresa. Mais importante: como membro do Conselho de Administração, o governo, através do BNDES, tem poder de vetar as demissões…
A questão é que o foco da política geral do governo para os tempos de crise é, em primeiro lugar, salvar os capitalistas, seus negócios e tentar reaquecer a economia pelo mercado interno. Volta-se a reduzir, ainda que timidamente, taxas de juros, mantém-se um aumento real do mínimo, os bancos estatais liberam dinheiro para empresas, estatiza-se com reservas cambiais a dívida externa de curto prazo das empresas privadas.
Bem, as empresas tomam dinheiro do governo e compram títulos da dívida pública, fazem outras aplicações financeiras, mas continuam demitindo. O giro para o mercado interno com esse nível de desemprego, combinado com o fato, nada secundário, de que o endividamento da população (cartão de crédito, cheque especial, empréstimos consignados) está em torno de 40% do PIB, além da pressão concreta para a redução de salários, não dá uma perspectiva animadora de reaquecimento da economia. E sob o atual cenário externo catastrófico, não se reorienta em curto prazo uma economia voltada para exportação para o mercado interno.
Medidas concretas e radicais
Há uma situação dramática que é a ausência de uma plataforma geral, de uma campanha nacional de massas que explicitasse um ponto de vista da classe trabalhadora para defender o emprego sem aceitar o jogo da flexibilização de direitos e salários.
Com o aval de direções sindicais colaboracionistas, pouco afeitas a construir uma resistência difícil, mas imprescindível para defender o emprego diante desta ofensiva, tem avançado o número de acordos que aceita a redução dos salários com redução de jornada.
É necessária uma campanha nacional para exigir a proibição das demissões e estabilidade no emprego. Começar por uma ampla, massiva e unitária campanha para barrar as mais de 4 mil demissões na Embraer já seria um ótimo ponto de partida.
A defesa da redução da jornada sem redução salarial e corte de direitos deveria estar no topo de uma campanha nacional dos sindicatos e centrais que efetivamente se propõem a defender a classe trabalhadora, assim como a rejeição a qualquer tipo de formato de reforma trabalhista.
Também não se deve ter qualquer preconceito quanto a pautar na sociedade medidas que certamente seriam atacadas e vistas como absurdas ou radicais pelo grande capital e sua mídia. Por exemplo, o controle público e do Estado de empresas que estão demitindo em massa ou próximas de fechar. Qual seria o problema de o Estado assumir o controle da produção e da empresa junto com os trabalhadores que nela trabalham diante de situação tão excepcional em que nos encontramos? Ou vamos continuar no terreno das declarações oficiais apenas condenando a situação de desemprego massivo?
Seria correta uma série de medidas práticas do Estado em relação aos desempregados, como uma verdadeira extensão do seguro-desemprego para pelo menos 12 meses, aumento do seu valor, incluindo aí direitos para o desempregado, como verba para transporte; massiva e imediata política de investimentos estatais na construção de escolas, hospitais, casas, serviços de infra-estrutura, não apenas para gerar empregos, mas também para levar dignos serviços públicos e sociais para a maioria da população, especialmente nestes tempos de crise.
Em tempo: para isso, não seria má idéia que se recolocasse na pauta a suspensão do pagamento dos juros da dívida pública. Medida que abriria amplas fontes de recursos para o governo investir na geração de empregos e serviços e para dar um fim na picaretagem que empresas e bancos continuam operando, beneficiando-se dos títulos da dívida e dos seus juros
para manter seus lucros ou diminuir prejuízos.
Pois, enquanto isso…8.800 trabalhadores e trabalhadoras são demitidos por dia no Brasil…
Fernando Silva é jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista.